Gravada em 1940, por Cyro Monteiro, em plena ditadura do Estado Novo, a letra original de O Bonde de São Januário exaltava a figura do “malandro” como uma figura esperta, boêmia e que se negava a ser um empregado. Aquele malandro não queria entrar “no bonde de São Januário” (do bairro industrial) que “leva mais um otário” para trabalhar.
Mas, segundo o decreto de Getúlio Vargas, de 1937, que obrigava os enredos de Escolas de Samba a só falar de temas “históricos e patrióticos”, a letra teve que ser mudada. De “leva mais um otário”, virou “leva mais um operário”. Fina ironia!
O “decreto de temas brasileiros e patrióticos” durou quase 60 anos, atravessou toda a ditadura militar e só caiu em 1996. Nos 22 anos que se seguiram à queda do decreto, nunca mais se ouviu falar em tal censura e coerção que interferiam diretamente em produções artísticas. Até o Brasil se deparar, espantosamente, não com a volta da censura, mas com um pensamento que a semeia. Um exemplo disso, que remete ao “decreto de temas brasileiros e patrióticos” foi o folclórico e macabro pronunciamento do ex- secretário da cultura, Roberto Alvim, que, plagiando o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, disse que “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada”.
Voltando à letra, o Bonde de São Januário, mesmo em sua concepção original, não critica o trabalho ou o trabalhador. Ela se refere à relação de subordinação do trabalhador e também à sua possibilidade de organização e inserção social através do trabalho.
O Bonde São Januário
(Ataulfo Alves e Wilson Batista/1940)
Intérprete: Gilberto Gil
Quem trabalha
É quem tem razão
Eu digo
E não tenho medo
De errar
(bis)
O Bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu
Que vou trabalhar
(bis)
Antigamente
Eu não tinha juízo
Mas resolvi garantir
meu futuro
Vejam voces
Sou feliz
vivo muito bem
A boemia
Não dá camisa
A ninguém
É, vivo bem
Fonte: Centro de Memória Sindical